Os Amores Turvos de Virginia
Woolf.
Gênesis Naum de Farias
A tristeza que
a consumiu, levou sérios dias para se intensificar quando a notícia do seu
falecimento veio a tona e, o mundo reconheceu sua genialidade fora dos muros
daquela charneca sombria. Havia
naquele dia um sol que denunciava o que deveras ter acontecido ao se fazer
sabido que uma linda mulher havia entregue sua existência ao desamor do suicídio...
Deixava para trás o abandono, a solidão e o desencanto amordaçado da esperança,
entregando-se ao reino do silêncio dos fortes para manifestar suas queixas
amorosas, na entrega fatal do suplício. Sua conversa com os mortos, imprimia
impiedosa tristeza ao ressuscitar inquietações antigas, na memória que lhe dizia
que as horas estavam findas.
Ao se
fragmentar, não olhou para o que ficava, deixou o tempo do mesmo jeito que o
havia visto, seguiu firme esquecendo os embaraços ao descobrir sua alma vazia
de contentamentos e assombrada com a sina que legara para os seus, deixando nos
pensamentos, as dores ao olhar para si com o esmero de quem queria esquecer as
desditas dos desencontros e seguir firme o destino que se impunha para
mergulhar profundamente no si de tudo...
A literatura
era mais que um exercício intelectual, se refinava a cada escrito que parecia
dizer tudo, e não dizia nada. Era uma máquina existencial de descobertas e
ressurreições. Evidenciava sempre a célebre recordação de que mortos e vivos
estavam condenados a amar no doloroso ressurgir de lendas passadas ao vento
pelas recordações suplicantes dos olhares que a perseguia na efêmera atribulação
dos dias. A dificuldade era esquecer o papel da memória, quando confirmava a
assustadora inquietação de que era sabedora dona de sua própria alma ao revelar
seus segredos e traduzir-se mediunicamente e escrever como se falasse a um
colóquio particular para mortos e vivos. Seus segredos eram a um só tempo seus
desvelos mais sinceros, estando sempre solitária no seu canto, remando contra a
maré dos acasos, reconstruindo o passado na assombrosa prospecção do futuro.
Escreveu para
antecipar acontecimentos e visualizar o que poderia ser sensível aos olhos dos
homens na generosa ideia da redenção, pretendendo salvar-se do desamor que
guardava na alma, fingindo recordar-se de um sonho febril muito antigo para
dizer-se única numa verdade nunca antes realçada pelo poder da reparação
sincera, quando as palavras tomavam outros rumos depois que a paixão desinteressou-lhe
e reduziu-lhe ao afeto dos bichos e das plantas, ao dar sentido a todas as
flores que plantara nos jardins do seu próprio estro...
O encontro
fatal e sem nuances com o real a devastou, esmigalhando suas pétalas no pior
verão de todos aqueles anos, ao passar muitas manhãs se torturando com dores
nunca antes sentidas; dores lancinantes, torturantes, indefiníveis. Era um
sentimento de absoluto desespero. Cuidou de si, da casa, das flores, do jardim
e da existência como nunca se tinha visto naqueles infindos anos. Passou a
definhar sozinha na imersão bruta da realidade como se o véu protetor da ilusão
tivesse, definitivamente rasgado e um dia ela tivesse que ser exposta ao frio
das horas mortas, chegando a nominar sua estranheza mais habitual no
interessante desvelo dos seus alumbramentos de mulher sofrivelmente triste.
O seu
desnudamento definitivo veio com a insistência das palavras recobrando que sua
alma já tardava em se recolher ao esquecimento mais tardio, escondendo-se no
transe estranho da verdade. Seus retratos eram impecáveis de desolação, nada
parecia passar com os anos, e suas verdades não lhe pouparam nada, nem o
impecável semblante de pensar que queimando sua escrita, deixaria o tempo
merecer outros enfáticos elogios. Engajada e amante pública daqueles que não
tem sentimentos foi-se deixando levar pelas águas frias do lago como uma Ofélia ao de debutar em despedidas nunca
antes intransponíveis, e agora não tinha mais as palavras que outrora lhe insultava
os breus. Agora se despedia da existência deixando calar a palavra que outro
dia ressuscitou recordações grandiosas para se lançar ao mundo dos mortos e
matar o que lhe era mais notável, a solidão!
Sua sina era retumbada
naqueles instantes, porque estava viva demais para suportar o peso das ações
que a duplicava em proporções absurdas, não tolerando mais o peso dos mundos e
o desenrolar das horas. Entregou-se ao silêncio lento de quem leva uma rosa ao
amor mais tardio, deixando-se levar pela correnteza fria das amarguras na leve
pluma de um grande encontro... O grande silêncio se despedia das palavras para golpear
decisivamente a soberba, partindo para habitar outros mundos e esquecer a festa
dos acontecimentos, afastando-se das palavras vivas, despedindo-se da alma,
quando abraçada ao esquecimento, expôs-se impiedosa, frente ao devastador
semblante da morte, quando outrora ressuscitou os mortos, resolveu se entregar
ao argumento sinistro e enlaçar-se ao que mais lhe torturava num mundo maquínico,
podendo escrever em outras plagas, onde o silêncio lhe cobrasse mais doçura e
menos crenças... Foi-se massacrada pelos ir e vir das horas...
De qualquer
maneira, a imagem daquela mulher se entrelaça e testemunha-se mutuamente,
porque inevitavelmente nos conduz a uma imagem ligada à soberania das mulheres
de gênio e raça, forte como leões e generosas como idealistas de outros tempos,
transcendendo o olhar das épocas. Seu estilo traz algo de magnífico quando
ainda assim, podemos pensar para além das aparências no decorrer desses tempos
líquidos. Em busca do seu tempo perdido, podemos denominá-la incrivelmente
refinada e bela como uma imposição, tendo a origem e os brios britânicos
enraizados na excentricidade de uma elegância intransponível, impecável e
transgressora. Parecia conter uma essência de caráter de oposição e de revolta,
mas bastante necessária para combater e destruir a trivialidade monótona dos
dias. Era dona de uma altivez desejosa e desesperadora, no entanto, dotada de
uma representação que sedimentava o que de melhor se poderia encontrar no
orgulho humano. Vem daí a altivez daqueles que insiste em nos dizer que uma
mulher provocadora pertence a uma casta transcendente, muito interligada com os
valores do decadentismo, farta da insensibilidade frívola e hedonista dos dias
atuais.
Notoriamente
adepta de um refinamento despojado e intrínseco, implacável na excentricidade,
era uma mulher de preocupações externas, especialmente quando lidava com o
espírito do tempo. Sua figura remonta desassossegos, envolvendo-a numa esfera
de elegância minimalista, transportando de vez o sentido da afetação ao
despudor do olhar masculino da época. Seu jeito de escrever nos apresenta
novamente algo de único que ainda assim, nos faz decorrer sobre as ilusões da
vida em oposição ao que se estabelece impermanente.
Sua retórica, na história da indumentária literária se estabeleceu adornada com
laços ocultos neste passeio ao farol dos exageros humanos, quando sempre
deixava de lado as conveniências do dia a dia para vestir-se discreta,
incrivelmente bela, tomando a forma que pretendia por sua atitude e estilo de
vida.
Tornou-se com
o tempo, uma personagem de si mesma, que era ela mesma uma propagadora
entranhada na existência do outro. Algumas vezes, nos seus livros, temos a
nítida sensação de que narrava seu encontro fictício consigo mesma, ao tratar
da vida moderna como se desenhasse o que não poderia deleitar-se, como parâmetro
para a definição da essência atemporal da mulher sofrivelmente solitária.
Transgressora e critica mordaz dos relevos sólidos das relações humanas,
condenou os preconceitos repudiando os valores modernos de civilização, ousando
falar da sua própria condição de mulher aviltada, no seu modo de encarar sua
liberdade. Desse modo, não se tornou apenas uma oposição a estética fria
daquela época, mas fez de si uma opositora a tudo aquilo nos subterrâneos da
alma quando desafiava as normas da estética machista impondo-se impecável e
sedutora na identidade e na revelação da sexualidade muitas vezes alcunhada e
preconcebida frente ao figurino pouco generoso das convenções de gênero;
flertava despudoradamente com o mundo de forma verdadeira, revelando seus sentidos
mais indesejados e indiferentes. Queria possuí-lo, queria encarná-lo...
Era
incomparável em seus gestos e atitudes ao trajar-se sofisticadamente elegante e
impecável, seus deboches biográficos ao se disfarçar na lenda que criou para si
nas concepções do mundo. Acredito que não a aceitaram do jeito que se propunha
a ser, mas reservou sua candura adorável para esculpir no espírito do seu
tempo, a mulher de costumes calculada para conseguir o que almejava, cujos
retratos são crônicas da vida como ela é.
Sua excentricidade refletiu a construção
da imagem das suas personagens, que retrata um universo paralelo em meio ao
estilo deslocado da vida moderna ao se utilizar da linguagem do absurdo para
documentar o senso comum e familiar da sociedade, trazendo
de forma interessante, sentidos para as inquietações mundanas. Ao se entregar
ao ir e vir das horas, tornou-se uma lenda recorrente, frente à insensatez
humana...
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